AS COISAS MUDAM
Percebi que os passeios daquela senhora
haviam diminuído. Antigamente, quando os trinta dias de férias, após um ano de trabalho
estavam por vir, ela deixava transparecer sua expectativa, torcendo para que
chegasse logo. Gostava de passear. Durante as férias,
seu hábito era visitar parentes, irmãos, cunhados e até primos e primas.
Conservava aqueles laços de parentesco através de visitas que fazia anualmente.
Esse procedimento lhe proporcionava prazeres que também eram partilhados pelo
marido e pelos visitados.
Nesse ano, notei que havia mudado de
comportamento. Ao se aproximar o início do descanso, não estava mais com aquele
entusiasmo do passado. Não conversava com os colegas de trabalho, como sempre fizera, informando-os
dos passeios que programara, nem esparramava transbordamentos de alegria pelos
corredores.
No último dia das mais recentes férias,
nem se despediu. Realizou um adeus melancólico, diferente das antigas saídas.
Disse apenas que ficaria descansando e ocuparia também o tempo na organização do
lar. Não iria para o Mato Grosso, nem para Minas, como programava sempre, nas
anuais visitas aos parentes.
No seu regresso ao trabalho,
interroguei-a para que me contasse dos resultados de suas férias. Fazia isso
sempre quando do seu retorno. Disse-me que estava descansada. Tinha sido bom os trinta
dias que passara em
casa. Assistira melhor o marido. Dera maiores atenções aos
filhos, noras e netos e desejava que os anos restantes para a aposentadoria chegassem
logo.
Aquele seu comportamento causou-me
estranheza. Nunca fora assim. Sempre regressava risonha e, aparentemente outra.
Contando maravilhas dos lugares por onde passeara. Depois de observá-la,
concluí que com aquele ar de cansada e triste, não aguentaria o trabalho de um
novo ano!
A curiosidade levou-me a perguntar-lhe o
motivo de não ter ido passear. Surpreenderam-me suas explicações. Disse-me que
o irmão, morador do Mato Grosso havia morrido e que também morrera sua irmã e
cunhada residentes em
Minas Gerais. Acontecera o mesmo com a maioria dos seus
colegas de infância. O relacionamento antigo havia se rompido, pois sobrinhos e
sobrinhas e o restante do parentesco, demonstravam desinteresse na continuidade
daquelas visitas. Não tinham sequer assuntos para discutir. Todos estavam numa
outra “onda”, explicou.
A situação dela fez-me parar para um
pensamento rápido e vidente: só descobrimos que estamos ficando velhos quando
nossos amigos e colegas de infância começam a morrer. Lentamente vamos sendo
isolados dos nossos hábitos e costumes e somos colocados à margem dos
acontecimentos, à medida que começam a faltar aqueles que nos eram
sustentáculos. Nossa língua, hábitos e maneiras de
pensar, não evoluem como a daqueles que chegam depois. Isolamo-nos ou nos
isolam e o conformismo e a aceitação nos subjuga.
Aquela senhora fora rápida e objetiva.
Sem quer forçar, nem se tornar um peixe a nadar fora da sua praia, abandonou as
águas distantes e ficou a saborear os locais conhecidos e seguros que ainda
poderiam garantir-lhe momentos de prazer.
Comentários
retornando com o meu blog e passarei por aqui pra ler seus posts que gosto tanto. Abraços
Hoje depois de um mês ausente da internet, vim ler o teu blog....
Fiquei preocupado, .... o que está acontecendo amigo, um mês sem escrever....
Não esqueça: "nunca desanimar, embora desanimado".
Há tempos que não ouvia mais o meu velho lema. Quase o tinha esquecido. Como consegues guardar tantas coisas? Foi só uma parada. Volto mais animado ainda. Um grande abraço.
Mario