QUANDO OS PARENTES NOS VISITAM

Sempre defendi a teoria de que nunca devemos deixar de visitar os nossos parentes. É muito bonito filho visitar os pais, irmãs visitar irmãs ou irmãos, principalmente quando moram longe um do outro. Para esses encontros os momentos mais apropriados são o Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa. Reuniões familiares nessas datas tornam-se agradáveis. Acontecimentos relembrados, fotografias revistas, brigas comentadas. Consciência de que o tempo passou. 

Sou também da teoria que as visitas não devem ser longas. Talvez três dias, no máximo cinco. Visitas prolongadas saturam, visitas breves deixam saudades. 

Quer ver coisa complicada é quando a irmã caçula da família visita, por exemplo, o irmão mais velho. Há, normalmente, uma diferença de idade acentuada e quando isso acontece, os filhos da mais nova oscilam entre três a oito anos; os do irmão mais velho já estão na casa dos vinte. Este tem a casa organizada, limpa, cheirosa, de paredes sempre com pintura nova, contrário do que ocorre com a mana.

A visita da caçula vai modificar o ritmo e alterar a rotina da casa. Trará os pequerruchos que primeiro parecerão anjinhos – a estudar o ambiente – mas depois, e isso não demora muito tempo, vai ter grito, barulho, as paredes serão rabiscadas, a televisão não permanecerá um minuto desligada, as almofadas dos sofás ficarão esparramadas pela casa e o computador – principalmente se tiver “internet” – estará sempre ligado. Adeus jornais nacionais, futebol, poltrona do papai, rede, quarto privativo! Eles tomam conta de tudo e ainda acham ruim se te atreveres a reclamar. E a mãe nem está aí. Acha tudo aquilo muito natural. Não sei se de propósito ou porque a bagunça lhe parece normal.

Porque moro na capital e meus parentes são todos do interior, já programei várias vezes ausentar-me nessas datas de visitações familiares. Sou um apenas e se disser que vou ficar aqui, minha casa estará sempre cheia. Capital tem de tudo e aquela criançada interiorana vêm sedentas e eufóricas. Querem conhecer os parques, o zoológico e as praças. Querem andar de escada rolante. Passear de ônibus biarticulado. Ver os aviões no aeroporto. Ir ao circo. Solicitam paradas para lanches e não dispensam nunca uma descida à casa da praia.

Fico a ponto de enlouquecer e começo a fazer os cálculos: sei que haverá comprometimento psicológico e financeiro. Imagino as contas: aumento de energia, de água e telefone: aumento de gasolina, dinheiro para pagar os sorvetes e guloseimas, entradas nos parques e circos, estacionamentos, reparos pela casa depois que o sossego voltar. 

E tem uma: a maioria dos meus parentes nunca fica menos que dez dias. Vai uma turma, chega outra e assim nesse ritmo passa janeiro. Sou sempre refém do primeiro mês do ano. Mas em fevereiro – que é para recomeçar o ano – estou um bagaço. Gastei o que não podia e me encontro arrasado psicologicamente. 
Agora descubro que não estou podendo ouvir gritos de criança que sinto choque. Sei que se procurar um profissional e lhe contar tudo o que está se passando comigo, dir-me-á simplesmente: “você está com estresse, precisa ir descansar, talvez um local distante e sossegado lhe faça muito bem!”.

Mas como pôr em prática a receita do médico? Não quero deixar transparecer aos meus parentes que estão se tornando incômodos, mas não consigo entender como não descobrem essa evidência.

Ontem cheguei à casa exausto. Precisava acessar a “internet” para verificar o resultado de um concurso. Minha sobrinha de dez anos estava ali se divertindo com aqueles jogos infantis que fazem um barulho repetitivo imitando uma bola que é jogada e faz tóin... tóin...tóin, sempre produzindo o mesmo som. Outra se balançava na rede impulsionando-a com os pés de encontro à parede. O menor chorando porque acabara de fazer xixi e a mãe não estava nem aí para lhe trocar a fralda.
- Querida, o tio precisa do comutador para ver umas coisas!
- Ah não, não posso parar na metade, se parar vou perder, o monstro me devora! 
- Está bem, o tio espera, quando terminar, me avise!

Saí a conversar com a mãe das crianças e porque demorava, voltei para o computador. 
- Terminou? – perguntei. 
- Ah tio, já comecei outro, agora não dá para parar. Perdi o primeiro por sua culpa... dá licença... dá licença! Vocês sempre ensinam que não podemos deixar as coisas pela metade!

Naquele dia percebi que minha casa estava tomada. Às vinte e uma horas a televisão exibiria o jogo do meu time. Liguei para um amigo meu, expus-lhe a situação e ele fez questão de que fosse assistir em sua casa. Para completar a dose, amarguei uma derrota. 

De volta, havia silêncio total. O campo de batalha mostrava que a luta fora grande naquela casa. Na sala, almofadas por todos os lados, tapete fora do lugar, o cabo da antena retiradodo seu ponto, a mesinha de centro amontoada num canto, controles remotos sem pilhas; um pé de meia preso no suporte da lâmpada.

Haviam dito que partiriam no dia seguinte, achei aquela cena dramática, mas as coisas retornariam aos seus locais num período de tempo muito curto.  


Ainda bem, não foi necessário solicitar reintegração de posse! 

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