A VIAGEM DO ELEFANTE - Comentários
Não é sem motivos que José Saramago é considerado um dos maiores escritores
de nossa época. Ao longo das 256 páginas de A Viagem do Elefante – Companhia
das Letras – 2008, está pulsante seu gênio criativo.
De um fato histórico que foi a doação de um
elefante feita pelo Rei Dom João III ao Arquiduque Maximiliano II, pelo seu
casamento com a filha de Carlos V de Espanha, cria todo um acontecimento que
vai se desenrolando conforme a viagem prossegue.
Ao embalo da caminhada que a
caravana executa à duras penas com a missão de levar um elefante até Viena,
Saramago evidencia problemas sociais, psicológicos, religiosos, filosóficos,
comportamentais, sem os criticar, apenas evidenciá-los e torná-los latentes.
Faz um traçado comparativo entre as situações
dos países envolvidos, o povo de cada um e seu portar-se. Compara o poderio
bélico e financeiro, evidencia a alegria quase irresponsável do português
comparando com a rigidez e seriedade do austríaco. Comenta o território de cada
país ressaltando dificuldades e potencialidades.
Em todos os episódios descritos aparece
sempre seu senso crítico e debochador, que objetiva mostrar as atitudes
mesquinhas e impensadas que estão sempre presentes nos mandatários. O descaso e
a despreocupação com a população, a quem se contentam oferecer espetáculos,
muitas vezes à custa de somas enormes como é essa viagem de um elefante.
Sua maneira de escrever causa estranheza a um
iniciante. Desrespeita pontuação, raramente utiliza a letra maiúscula mesmo nos
nomes próprios, ordena que seus livros sejam editados dentro das normas do
português de Portugal, utiliza gírias e expressões corriqueiras, avisando de
que as está usando. Os diálogos não são sinalizados pelos travessões deixando
claro sua preferência pela linguagem coloquial.
Ao longo de todo o livro, oferece passagens que mostram seu profundo ateísmo, evidenciando certo menosprezo quando trata de religião, principalmente da católica. Um episódio marcante
acontece em Pádua, quando Fritz é procurado por um padre que se diz mandado por
uma autoridade eclesiástica da Igreja de “Santo António”. Após longas
explicações, (pelas dificuldades de entendimento, pois Fritz é indiano e o
padre italiano) o sacerdote propõe a Fritz que o elefante seja levado para a
parte central da igreja e que ali faça com que ele se ajoelhe.
Nesse tempo a igreja católica atravessa maus momentos e é necessário que se dê um choque de fé. No entendimento do emissário, se isso
acontecesse a igreja poderia considerar o fato como um milagre, o que seria de
grande valia, muito contribuindo na luta que ela estava travando contra as
doutrinas revolucionárias de Lutero, de quem o Arquiduque Maximiliano parecia
ser adepto.
Fritz pergunta quanto ganhará pelo trabalho.
O padre, exaltado, responde que “à
igreja não se pede, dá-se”. Sem saída, e nas entre linhas ameaçado de morte
pelo clérigo, o cornaca passa o resto do dia ensinando o elefante a se ajoelhar
e, no horário determinado pelo padre, aparece com Solimão em frente da basílica,
onde se aglomera um incontável número de pessoas, convidadas que foram pelas
autoridades eclesiásticas para presenciarem e serem as testemunhas do milagre.
Fritz, encavalado no pescoço do elefante,
nervoso e tremendo-lhe as mãos, para à frente da entrada principal e dá um
toque na orelha do animal. Este se ajoelha de uma só vez, utilizando-se das
patas dianteiras. A assistência dá um urro de espanto e alívio e ajoelha-se
também. O milagre está confirmado e será explorado. Solimão recebe uma
aspergida de água benta que chegou até o cornaca. Santo António estremecia de
contentamento no seu túmulo.
Imediatamente após o acontecido, dois
pombos-correios são encaminhados a Trento, onde os cardeais estão reunidos em Concilio
Ecumênico preparando um contra ataque ao protestantismo de Lutero,
levando a notícia do milagre.
Fritz não recebe nada em pagamento, mas se
aproveita da situação para vender pelos do elefante, afirmando serem
milagrosos, venda esta que lhe dá muito dinheiro, mas complica ainda mais sua
situação delicada com o Arquiduque, que o recrimina e proíbe a exploração.
Ao longo de todo o livro são encontradas
passagens que mostram claramente que José Saramago não professa qualquer
religião.
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