REMANESCENTES

Senti que estava sendo observado. Sentada a minha frente, ela lançava olhares observadores, mas se mantinha silenciosa. Parecia querer um raio xis, lançando olhares fortes e risos que se confundiam no final da boca. Há muitos anos velhos conhecidos, estranhei tanta observação.  Não suportei seu  silêncio que já estava constrangedor.

- Diga o que tens para falar?
- Nem queria falar achando, que pudesse deixá-lo triste.
- A curiosidade é muito mais triste que o silêncio.

Débora, minha velha amiga, começou:
Disse-me que dias desses entregou-se à nostalgia. Numa tarde chuvosa e sem nada para fazer, começou a rever velhas fotografias que mantinha guardadas quase no esquecimento.  Numa das tantas, já até envelhecida e descorada, disse ter me encontrado na companhia de antigos colegas. Eram velhos amigos retratados ali: o Rui, o Eduardo, o Carlos, o Antônio e o Mário. Observou aquela foto detalhadamente. Lembrou-se de todos: de quanto foram alegres, das coisas que fizeram, dos destinos que tomaram, mas entristecera-se ao perceber que o tempo fora cruel, todos haviam passado. Só restara eu.

Estremeceram-me suas últimas palavras. Nem eu havia notado isso. Pedi-lhe a fotografia e a observei com saudade. Busquei a causa “mortis” de cada um: enfarte, câncer, enfarte, diabetes. Vidas sugadas, vidas desaparecidas!

Detive-me e de observado passei a observador. A menina Débora também sofrera as intempéries da vida, estava ali como eu: judiada pelos anos, assinalada pelos ventos, marcada pelos invernos. 

Não fui tomado de tristeza, mas de uma alegria incontida. Um privilegiado, pensei. Abraçamo-nos e tomados de sorrisos vencedores nos acomodamos numa mesinha de bar escondida. Ali conversamos, rimos, nos vangloriamos e agradecemos.


Vieram à tona histórias que estavam esquecidas e percebemos que realmente havíamos ficando velhos, pois ao nosso lado não mais estavam nem Rui, nem Eduardo, nem Carlos e nem Antônio. 

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