PAIXÕES ADULTAS
Os encontros aconteciam
sempre naquele clube. Ali, ambos - já de longa data - tinham programas
específicos para a manutenção de suas vitalidades corporais.
Por força de um sentimento
mais íntimo, haviam abandonado seus exercícios físicos e procuravam reativar a
parte sentimental. Esses encontros foram aumentando conforme a necessidade e
acabaram acontecendo durante todos os dias da semana.
Haviam se encontrado e
conhecido numa viagem turística a Foz do Iguaçu, quando retornavam para
Curitiba. Dez horas de ônibus foi o suficiente para os contatos iniciais.
Ele - general do exército
aposentado - setenta anos, passava o tempo nessas viagens. Os filhos, já todos
casados, eram médicos, engenheiros, advogados e não brigavam pela herança. Sua
esposa e companheira havia morrido há cinco anos e o único problema que o
atormentava era a solidão.
Ela - cinquentona bem
cuidada - professora universitária trabalhava muito. Percorria esse Brasil
ministrando cursos de pós-graduação. Não tinha nascido com o dom de administrar
seus ganhos. Era extravagante, comprava o que via, vivia a vida devendo uma
vela a cada santo. Era esse comportamento que a angustiava pela vida toda.
Ele sempre pontual ao
horário marcado. Chegava primeiro e esperava pacientemente ela chegar. O exército
lhe incutira esse hábito severo; bem diferente dela, sempre às voltas com compromissos
que lhe atribulavam a vida, comprometendo-lhe a pontualidade.
Porque ele era rico, ela
ganhava muitos presentes. Um dia um vestido, outro um relógio, uma pulseira,
sapatos, blusas e casacões. No dia do aniversário ganhou um anel de brilhante.
Ele recebia beijos, abraços, carinho e boa conversa.
A maior prova de que ele
começava a ficar apaixonado aconteceu no primeiro dia em que a visitou em seu
apartamento. Ela morava de favores: aquele local pertencia ao seu primeiro marido
que não lhe cobrava aluguel. Tinha como compromisso o pagamento do condomínio.
Enfrentava muitas dificuldades para saldar essa dívida e sempre a fazia com
atrasos.
Ele escutou aqueles
relatos e se compadeceu. Achou aquelas
acomodações todas muito acanhadas. A cozinha apresentava-se com azulejos
furados, fogão velho, geladeira vazia, nem microondas tinha. O banheiro, então,
acabado, com torneiras vazando e box quebrado. A sala de visitas exibia móveis
completamente superados. “Ela precisava assistir televisão num aparelho de plasma,
ter uns tapetes daqueles peludos, aparelhos de DVD e vídeo”.
Partiu às dez da noite,
compadecido. Ela passou a noite chorando. Lembrou-se de todos os seus amores. Analisou
a vida dos filhos. Apenas o seu primeiro marido estava rico. Ele que era tão
pobre quando casaram! O outro vivia na
miséria e não bastasse, preferira ficar com a amante quando soubera que a
engravidara. Ela estava ali, sozinha, mas começava a ter aquele novo amor.
Rodolfo diferia dos outros
dois. Ajuizado, respeitador; nunca se atrevera a qualquer excesso. Mostrava-se
seguidor da tese de que as coisas devem acontecer, nunca precipitá-las.
Um dia ela reuniu os
filhos. Precisava colocá-los a par do que estava acontecendo. O mais velho achou tudo aquilo que a mãe lhes
contava muito natural; o do meio fez perguntas e recomendações; mas o mais novo
não aceitou. Ameaçou abandonar a mãe, disse que ia sumir para um lugar onde
ninguém mais o localizasse.
Ela não gostou da reação
do caçula, mas achou que o tempo resolveria tudo.
***
Os encontros no clube
continuavam acontecendo, mas aos poucos foram sendo substituídos por jantares e
passeios. Ele a levou para conhecer seus filhos.
A médica observou-a
demoradamente e não gostou do seu comportamento. Achou-a extravagante,
assanhada de mais para o pai, sempre tão sério, pontual e muito mais velho.
“Não estaria aquela senhora a querer abusar da simplicidade e pureza do genitor”?
O filho advogado
considerou-a bonita, insinuante, simpática e levou vários beliscões da esposa
porque insistia em olhares constantes, que sempre tinham a pretendente madrasta
como alvo.
O engenheiro cumprimentou
o pai. Incentivou-o, recomendou que prosseguisse na busca da felicidade, tão
abalada após o desaparecimento da mãe.
***
Ela não dormia mais.
Passou a ter insônia,
contraiu depressão, pediu férias no emprego e pensou em se matar. Devia uma
vela a cada santo. Foi quando ele apareceu de surpresa. Conversou bastante. Ela
chorou-lhe as mágoas. Contabilizou-lhe todas as suas dívidas. Abraçou-o. Falou-lhe
com meiguice e deu-lhe um beijo na face.
***
Ele reuniu os filhos.
Disse-lhes que estava novamente apaixonado. Que nascia um novo amor, quase tão
profundo quanto aquele que dedicara à mãe dos três. Os filhos lhe deram carta
branca: que fizesse tudo o que julgasse necessário para acabar com a solidão e
lhe restituir a felicidade. O velho vibrou. “Aquilo sim que eram filhos! Muito
mais compreensivos com o pai, do que fora com eles”! Ele próprio estava a se estranhar: nunca
pedira opinião a ninguém e nem dera satisfação de seus atos! Intimamente –
naquela idade - sabia que precisava de apoios: as inconstâncias do amor e seus
segredos reservam sempre surpresas!
***
Ligou e acertaram uma
janta à luz de velas. Recomendou que fosse com o vestido vermelho presente seu.
Que colocasse o anel de brilhantes, lembrança do seu último aniversário.
Apreciaria vê-la com os brincos, aqueles do dia dos namorados. Não devia
esquecer-se de pôr sapatos de salto alto.
No começo, ela não queria
ir. Acabou concordando depois de muita insistência. Vestiu-se atendendo às
recomendações que recebera.
***
Depois que o carro parou
em frente ao prédio, ela ainda demorou uns minutos para descer. Estava linda!
Ele tremia de emoção! Considerava-se um privilegiado. Que felicidade a dele ter
encontrado uma pessoa como aquela! Entraria no restaurante de forma pomposa
para que todos vissem e julgassem: apesar de seus setenta anos, era ainda um
grande conquistador!
No trajeto ela depositou
sua mão sobre a dele. Sentiu que estava fria. Achou melhor não falar nada. Ele
elogiou sua beleza, suas roupas e joias, disse que se considerava um homem
muito feliz. Antes de conhecê-la imaginava que sua vida tinha acabado. Só então
ela foi perceber o quanto haviam avançado naquele relacionamento.
A janta foi “fina” e cara.
Teve vinho francês. Não conseguiram tomar uma garrafa, mas conversaram
bastante, principalmente ele. Ela escutava. Ele expôs seus planos, informou da
liberação que tivera dos filhos e terminou dizendo que estava amando. Ela
pensou no seu filho mais novo. Primeiro teria que resolver aquela situação, mas
não disse nada que o desanimasse. Para coroar aquele acontecimento, ele
autorizou a reforma do apartamento, embora não o conhecesse na totalidade. Os
móveis viriam depois.
O abraço de despedida foi
mais demorado, com um longo beijo na face. Ele sentiu vertigens; ela ficou
pensativa. Passou a noite em claro. Chegou a
ligar para o caçula, mas o telefone não atendeu. “Esses jovens não gostam da
casa onde moram”!
***
Agora tudo acabou para
ela. Atingiu o fundo do poço. Os sonhos ruíram. Ela que já estava certa da
possibilidade de um recomeço. O jeito era morrer! Pensou abrir o gás do fogão
da cozinha e entregar-se. No quarto ao lado dormia a empregada com seu filho de
um ano. “Não era justo levá-los juntos”! Pensou. Chorou e conseguiu desviar
aquele pensamento tolo.
Apartamento reformado,
móveis novos, contas pagas não modificaram sua vida, não lhe trouxeram a
felicidade. Parecia estar procurando flores em pleno inverno.
Vinha-lhe ao pensamento
aquela cena trágica onde o protagonista fora ele. O motel escolhido era o mais
famoso da cidade. As acomodações luxuosas: hidro, frigobar, cama redonda com espelho
no teto e pelas paredes. Nunca tinha visto aquilo!
Ele estava nervoso, não
conseguia abraçá-la como da última vez. Seus lábios tremiam. Ela o esperava,
ele titubeava. Estava lívido. Há quanto tempo não se expunha em trajes íntimos
para uma mulher!
Às três da madrugada, sem
sono ela via aquele homem de cueca escura de seda com bolinhas, expondo seu
busto branco e flácido, pernas finas e trêmulas que suava, que gemia e que depois
de meia hora acabou desistindo.
Ficara só naquele quarto e
nunca mais viu aquele homem. Nem recebeu telefonemas dele. Também não quis
ligar.
Restou-lhe o contentamento
do filho mais novo quando percebeu que o namorado da mãe não aparecia
mais.
- Sozinha, mãe?
- Sozinha, filho!
Comentários