ENCONTROS E DESENCONTROS
Desmiolado esse moço! Que queria aos
cinquenta anos? Tivera casa, comida, roupa lavada, cama quentinha, carinho da
mulher a lhe oferecer sexo sempre que desejava. Três filhos que dele gostavam
muito. Trocou tudo pelo prazer de viver só.
Sem controle. Sem os olhares atentos da família. Que escolha!
Agora se arrependeu. Não adiantaram os
conselhos dos amigos, seguiu as suas idéias e as dos companheiros de noitadas.
Ela fizera tudo para tê-lo junto e dos
filhos. Conhecia-o há trinta anos e entendia bem das suas fraquezas. Conselhos
dera-os diariamente. Incalculáveis apelos fizeram-lhe as crianças.
Exposto, vive cercado de pessoas que não
nasceram com o dom da proteção. Está a buscar guarida nos lugares sem
aconchego. Felicidade não lhe parece ser aquilo que desfruta, mas o que anda a
buscar, insatisfeito com as conquistas.
As roupas lhe estão por acabar. Semanas
sem chuveiro. Descobriu coisas que não imaginava, naquele período onde o sol
descansa: adolescentes que gritam, riem e se abraçam embriagados ou entorpecidos
por elementos fortes, ocupam as ruas. Andam indiferentes ao trânsito louco
daqueles que passam com seus carros enfurecidos, barulhando motores, espalhando
sons na vizinhança, cruzando sinais vermelhos, perdendo o controle da direção e
esborrachando-se nos postes e árvores que existem pelas calçadas. Depois vem a
ambulância que constata óbitos, que chama o IML, que atrai reportes amantes das
desgraças, entrevistando sobreviventes que mal conseguem falar, porque estão
cheios e entontecidos.
Lanchonetes e boates, repletas no início
da madrugada, estão quase desertas. Raros ocupantes de alguma mesa, debruçados
por sobre elas, dormem. Até a fumaça que poluía o local foi embora.
- Acorda, moço!
Ela seguira os passos do marido por
vários dias, atrevendo-se a enfrentar as noites. Nem dissera nada aos filhos.
Sentia profunda pena do esposo. Nem assim o amor estava morto. Que escolha
fizera ele! Seu estado compadecia: as roupas exalando cheiro de coisa vencida;
olhar parado a divisar um horizonte que não existia; língua grossa a emitir
sons inaudíveis; corpo enrugado a tremer de frio. Aquela praça e o banco gelado deixaram-lhe
heranças. Acordou sobressaltado, pareceu-lhe ouvir vozes conhecidas.
- Quêêêêê tu qué, minha véia?
- Queria que parasse com isso!
- Vai embora, vê se é hora pra muié ficá
andando na rua!
- Teus filhos querem você!
- Quê você falou?
- As crianças pedem por você!
Ela sentiu que o atingira na sua
fraqueza. Ouviu o choro silencioso, notou o olhar de tristeza, percebeu o
começo do arrependimento e o desejo da volta. Que atitude a sua: vigiar nas
madrugadas aquele que lhe dera menosprezo!
Ele era inteligente, nem tão culpado.
Tinha-se a impressão que o orgulho se dissipara frente a tanta insensatez
presenciada e praticada na rua.
Fazia dois graus naquele começo de dia,
de um final de inverno, ainda sem sol. Poucos casais ocupavam os bancos daquela
praça, sobre os quais as árvores gotejavam pingos gelados e a água do lago
artificial soltava fumaça branca de um fogo oculto, mas existente.
Para os dois reiniciava a primavera que
atingiria as flores ainda adormecidas nos leitos quentes de uma casa que se
reformava.
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