REAÇÃO INCONSCIENTE
Marilda
não foi aquela filha que todo o pai e mãe almejam. Briguenta, eternamente
insatisfeita, desobediente, logo aos doze anos perdeu a virgindade com um dos
meninos da sua idade com quem passava seus dias ociosos. Aos quinze sumiu de
casa e não foi fácil localizá-la aos 23, quando comunicada que o pai havia
acabado de falecer, reclamavam por sua presença.
Pensou
se iria ao enterro. Quase não foi, mas acabou indo quando seu companheiro de aventuras
se prontificou a levá-la. Afinal seria a última vez, e, naquelas condições, o
pai não mais seria capaz de qualquer gesto de insatisfação, agressão ou repulsa.
Viajou
a noite toda e chegou à velha casa paterna quando o dia já começava a aparecer.
Estava exausta, dominada pelo sono. Velório de gente pobre, quase ninguém a
velar o morto. Na sala da casa o corpo descorado, posto num caixão de madeira rústica,
jazia entre dois castiçais de velas amarelas que queimavam preguiçosamente. O
pai, naquela situação, estava velho, feio e indiferente. As poucas horas de velação já o deterioravam.
Na
mesma sala, duas outras portas fechadas faziam a ligação com os quartos
existentes na casa: uma a do pai e da mãe; a outra, levava às camas dos irmãos
e irmãs, que sempre dormiam partilhando a mesma dependência.
Os
únicos parentes distantes vieram de Curitiba e depois de uma vigília que durou
da meia noite até às três da madrugada foram acomodados, para um rápido repouso,
no quarto dos primos. Não havia choro nem conversas altas, isso facilitava-lhes
o sono.
Apenas
uma cena inusitada atrasou o início do descanso: a tampa do caixão estava
encostada ao guarda-roupa do quarto, posta de tal forma que ao abrir-se a porta,
era a primeira coisa a ser notada. Um cenário
macabro e triste que gerava sensações de estranheza e arrepios.
Marilda
resolveu por um repouso sem ter conhecimento que os primos de Curitiba estavam
dormindo no quarto que antigamente tivera uma cama sua. Já amanhecia o dia. Ao
abrir a porta deparou-se, instantaneamente, com duas cenas que a levaram ao
descontrole: a tampa do caixão e um dos primos que acabara de acordar e que no
mesmo momento que ela movia a fechadura para entrar, repetia o gesto no
interior, para sair. Marilda foi tomada de uma reação de susto incontrolado e
inconsciente:
-
Perdão pai...! Perdão pai...!
Marilda,
acometida de fatores inconscientes, confundira vendo o pai na fisionomia do
primo.
O
primo, desconcertado, ficou sem entender nada. Assustado saiu para o pátio da
casa onde foi se reunir com outras pessoas que -, conhecedores das traquinagens
da filha ausente -, lhe contaram as histórias tristes de Marilda.
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