O RECADO


- Ta vendo pai, veja a confusão que você criou! Te vire, resolva. Por enquanto, oração você não merece!

Era uma família muito grande. Hoje já não existem famílias com tantos filhos. Antigamente, uma coisa muito natural. Não havia televisão, e o anticoncepcional só foi inventado muitos anos depois. A igreja exercia um domínio e uma fiscalização muito grande sobre todos os seus seguidores. O casal que se atrevesse a usar pílulas (que já começavam a aparecer), para controlar o nascimento de filhos estava cometendo pecado mortal. E pecado mortal era o instrumento que assegurava um lugar direto no inferno. Lugar que todos abominavam.

Vejam só: doze irmãos, quatro eram homens e oito mulheres. Diferença de ano um do outro. Sem contar os que haviam morrido. Sabiam, pelas poucas e reservadas conversas da mãe, que tinham sido três.

Mas, até bem pouco tempo, numa família de imigrantes, valorizados são apenas os homens. Só eles que trabalham, só eles que conseguem a atenção dos pais. As mulheres precisam tratar de arrumar casamento logo, que é para ir aliviando as despesas da família. Ganham um mísero enxoval, uma máquina de costurar e o compromisso está encerrado. O filho homem, quando contrai matrimônio, já recebe uma casa para morar e continua trabalhando com o pai, sem se preocupar com comprar comida para sustentar a casa. Os bens são divididos entre eles. As filhas mulheres que se danem!

Naquela casa, quando o pai morreu, os filhos estavam ricos; as filhas mulheres, comendo o pão que o diabo amassou. Eles com propriedades, casas, plantando nas terras do velho, usando os tratores e carros da família. Elas sem qualquer proteção da lei.

Foi quando um dos genros resolveu requerer os direitos que a Constituição prevê. A igualdade entre os sexos, quando se trata de receber herança. A grita foi geral entre os homens. Não queriam dividir os bens com as irmãs. Julgavam-se no direito de tudo. A justiça deter-minou repartição igualitária e a confusão generalizou-se na família.

Quando o ambiente entre irmãos e irmãs chegou ao limite da tolerância e quando, vencidos pelo poder da justiça, os irmãos concordaram com dividir o que restou, era véspera de finados.

No interior, é comum e por tradição: lavam-se os túmulos dos parentes ou das pessoas queridas. Atitudes parecidas acontecem também nas cidades grandes.

Para o cemitério onde o pai estava enterrado dirigiram-se três das herdeiras injustiçadas. Carregavam baldes, panos, detergentes e vassouras. O túmulo estava sujo e merecia cuidados. No outro dia aquele local seria invadido por familiares dos que moravam ali. Era preci-so deixar aquelas sepulturas limpas, pois a limpeza era a mais perfeita demonstração de amor e um comprovante de saudade, respeito e admiração aos que estavam naquele local.

Terminada a limpeza, os mármores bem cuidados chegavam a luzir. Uma das filhas, olhando a foto do pai que estava encravada bem ao lado de uma cruz colocada na cabeceira, dirigindo-se ao genitor morto falou:

- Por enquanto você não merece uma oração, primeiro precisa resolver essa confusão toda criada quando vivo!

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