SILÊNCIO SIGNIFICATIVO

Débora - fazia já algum tempo - perdera o marido que, por razões nunca explicadas, num final de tarde de chuva e frio, disparou-se um tiro na própria cabeça, quando o casal, na sala da casa contemplava a filha recém-nascida.  Morreu ali mesmo esguichando sangue que chegou a atingir a criança.

Ao observar aquele corpo estendido e inerte, Débora alardeou a pequena cidade que começou a chegar para se certificar do que havia ocorrido. Dias depois ficara sabendo que os parentes cuidaram do finado e que a criança estava sob os cuidados de seus pais.

Passado o primeiro momento, controlado o desespero e certa revolta contra o marido, sensação que levaria pelo resto da vida, entendeu Débora que não lhe restava alternativa que não enfrentar a vida sozinha. Teria uma companheira que devia crescer e ser-lhe amiga.  Mas estava convicta que assim que Dulce fosse se tornando grande, começaria a pedir pelo pai e Débora teria que estar preparada para explicações.

O tempo foi apagando lembranças, enquanto a filha crescia. Adaptando-se à presença da mãe e no protetor convívio dos avós maternos, Dulce parecia não sentir qualquer falta. A mãe tudo fazia para que a necessidade do pai fosse sendo preenchida e esquecida.

Mais para frente entendeu que não conseguiria viver sem um parceiro. Precisava de um homem a lhe dar amparo, a lhe fazer carinhos, a lhe saciar o desejo ardente de sexo. Tão jovem, - não havia chegado aos trinta anos - decidira que o passado necessitava ser esquecido e o presente recomeçado para lhe garantir um futuro.

Não era feliz nas escolhas que fazia. A lembrança do marido morto  afugentava os eventuais pretendentes. Angustiava-se Débora com a situação. O desejo de atingir seu propósito a tornava precipitada e vulnerável. Amontoavam-se as conquistas e os insucessos. Sentia estar amando: um amor devotado e abrangente, mas nunca correspondido.

Por último, quando de um encontro que reuniu participantes de muitos estados brasileiros, Débora engraçou-se por Fabrício. Via-o pela primeira vez e nas reuniões que se seguiram teve oportunidade de conversar com ele. Poucas palavras, sensações que ele entendeu como normais, mas que foram profundamente sentidas por ela.

Dias depois, no trabalho, Fabrício recebeu uma carta. Uma passagem chamou-lhe atenção: “Sou aquela moça que conversou contigo na reunião do mês passado. Para refrescar-lhe a memória, mando uma foto minha que foi tirada na noite que estivemos no Amarelinho. Precisando de alguma coisa aqui na minha cidade, estou à disposição.”

Fabrício lembrou-se de Débora muito vagamente, mas sentiu que pelas suas palavras estava desejando manter um relacionamento. Observou-a nos seus detalhes e achou-a uma mulher bonita. Alta, magra, bem vestida. Cabelos longos e pretos a lhe acrescentar beleza no sorriso de uns lábios grossos e sensuais.

Por longos meses mantiveram contatos permanentes que foram estreitando o relacionamento. Ela lhe contara que estava a procura de um companheiro. Mencionara seu passado triste e mesmo sabendo que Fabrício era um homem casado, nunca diminuiu sua vontade de tê-lo. Por várias vezes insistiu para que largasse a esposa e fosse viver com ela.

Quando o relacionamento estava avançado, até visitá-la foi Maurício e isso o deixou aflito e preocupado, mas esperançosa ela. A sensualidade e a beleza de Débora mexiam-lhe os miolos, agitavam-lhe os instintos de homem.

Por último Fabrício concluiu que era necessário acabar com aquela situação. Suas recusas nunca foram aceitas por ela que lhe oferecia vantagens e vida maravilhosa a seu lado: casa na praia, apartamento na rua mais famosa da cidade, chalé na região serrana. 

Todas essas ofertas não foram suficientes para atrair Fabrício. No final de janeiro decidiu pelo rompimento definitivo e nunca mais ouviu falar de Débora.


Agora, já no término do ano, estranhando tanto silêncio, decidiu saber como estava ela. Recebeu a informação de que Débora havia sofrido um acidente estranho e morrera nos primeiros dias de fevereiro. 

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