FAZENDO A CABEÇA
Se demoro para descer à praia, meu
cabelo cresce. Por causa da feiúra que fica, ela já me propôs, várias vezes,
que fosse cortá-lo na sua cabeleireira. Fica perto da casa nossa, e sempre me
tem repetido que é uma excelente profissional. Acertaria o corte, repete
sempre, porque não gosta do modo como a cabeleireira praiana trata da minha
cabeça.
Eu
jamais aceitei a proposta que insistentemente minha esposa faz. Ficar expondo a
cabeça a muitas pessoas não é bom, explico! Podem ficar relatando por aí as
deformidades que ela contém. As cicatrizes e outras coisas. A profissional dos
meus cabelos, tenho a certeza, nunca contou nada a ninguém.
Mas outros motivos básicos me levam a
continuar com essa mania, segurança e preciosismo: quer coisa mais gostosa que
ficar cuidando do cabelo, nariz, sobrancelhas observando o mar que vem morrer
ali bem pertinho daquele salão? Passar o tempo sentado naquela cadeira de
manicura a observar o rebuliço das gaivotas atrás de peixes? Ver os casais de
namorados que passam abraçados e bem juntinhos, expondo seus bronzeados e nudez
quase completos e os beijos que se dão? E as mocinhas solitárias que andam pela
praia com seus biquínis sedutores, olhos perdidos que observam o mar azul com
os pensamentos voltados para a terra na busca de alguma coisa? E as que dormem
expostas nas areias, como a querem atrair os raios solares todos para si? Não é
a toa que muitos permanecem sentados na lanchonete ao lado com uma cerveja
gelada e camarões crocantes, agarrados a binóculos na ânsia de ter tudo próximo!
Tenho certeza, minha cara esposa, que a
tua cabeleireira jamais será capaz de me ofertar tanta coisa boa!
E tem mais, ela possui o dom da
comunicação. Os dedos trabalham na tesoura e seus apetrechos, mas não pára de
falar. No meu corte de cabelo que leva uns quarenta e cinco minutos, às vezes
uma hora, fico sabendo de todas as fofocas daquela cidade praiana. Conta os
seus problemas. Fala das filhas. Noticia a sua separação que acabou por ser
concretizada. Comenta a dificuldade que está tendo na divisão dos bens. Das
leviandades do antigo marido, que nunca conseguirá ser gente equilibrada. E,
sutilmente, chega a roçar seu corpo em partes do meu.
Fico sabendo dos roubos na cidade. Dos
lugares bons. Da escola e da igreja. Conta dos seus projetos de nova vida,
evidenciando a certeza de que será feliz. Diz que recomeçará os estudos que o
marido lhe proibira. Pede-me se quero uma limpeza nos ouvidos. Diz que está
cansada da praia. Afirma que gostaria de morar na capital. Estudar as duas
filhas. E eu lhe digo que está ficando
louca, quando fala que enjoou de morar na praia. Diz que nós das cidades não
temos noção da tristeza que é o litoral fora de temporada. Um silêncio
crucificante, explica.
Por último, toma do espelho e me oferece
uma visão do trabalho findo sob vários ângulos, esperando minhas observações.
Comento que estou ficando careca, mas que o seu trabalho me deixou muito mais jovem
e elegante. Ela diz que ser careca não é problema e eu saio feliz, informado e
certo de que ela também gosta de trabalhar minha cabeça.
Tem sentido fazer o meu cabelo em outra
cabeleireira? Desta vez estou decidido a descer mais vezes. Talvez a minha
cabeça fique melhor ainda. Isso se fizer algum retoque com mais frequência.
Comentários