CADA UM NA SUA

Aquele canário amarelo virou preguiçoso. Não sai da casinha das quirelas. Não voa mais. Nem se espanta quando chego perto.

Raras vezes abandonava o lugar. Conclui que saía, à procura de água. Coloquei um pote do líquido preso a uma das ripas e agora aquele canário decididamente fez do lugar sua morada. Não quer saber mais de voar, nem de cantar.

Fui tomado de um drama de consciência. Deduzi que estava sendo culpado do que vinha acontecendo: dando comida e oferecendo água, tornei aquela criatura acomodada e preguiçosa. Desvirtuei o seu instinto. Consegui tirar-lhe o dom de praticar uma das coisas mais fantásticas que existe: voar.

E o tornei guloso. Bica os que chegam expulsando-os. Quer a comida toda para si.

Ainda dá tempo: retire a quirera Oiram, não queira trazer os pássaros para perto de ti, torná-los prisioneiros. Deixa-os explorar os céus e as florestas. Beber água fresca dos rios, alimentarem-se das sementes que a natureza produz. 
Eles precisam voar, precisam cantar e construir seus ninhos. Não os torne obesos  e preguiçosos.


Fim da comida fácil de toda hora. Acabou-se a água parada e morna. O canário amarelo não mais me pertence.  Desacostumá-lo antes que seja tarde. 

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