Conviver trinta e cinco anos como marido e mulher reserva, às vezes, situações interessantes.

No início, logo nos primeiros anos de vida conjugal, ela passa aos turbilhões. A nossa preocupação, quase sempre, está voltada com garantir o futuro. Criar os filhos assegurando-lhes condições para essa sobrevivência cada vez mais complicada. Não se tem a preocupação de que o tempo também chegará e com ele a idade.

Pois agora, já vivendo nos sessenta, estamos precisando pagar um pecado cometido lá no começo. O menosprezo praticado com o tal do tempo. Ele vai encurtando horizontes, fechando janelas, acrescentando coisas que não existiam antes. E, muitas vezes, não se consegue romper com as barreiras, nem impedir que as janelas sejam fechadas.

Pois o pecado que cometemos foi não aproveitar o tempo da forma como devia ser aproveitado.

Por essa razão, a Lu está ausente para pagar esse pecado. E não está pagando só ela. Pago também. E pagamos distantes um do outro. Eu em Curitiba, ela em Querência do Norte. Completa seu tempo de professora para solicitar a aposentadoria. Ausentou-se das salas de aula naquele tempo, pagamos o pecado hoje.

Pois ontem à noite, aconteceu um fato interessante. Conto: há um lugar na nossa casa onde passamos a maior parte das horas caseiras. Gosto deste lugar. É um amplo cômodo nos fundos, muito silencioso e protegido, que serve para tudo, é copa, escritório, lugar onde me espreguiço na rede, assisto televisão, e trabalho no meu computador. Ela usa a mesa onde sempre faz duas coisas: ao mesmo tempo realiza suas pinturas, sempre com a televisão ligada e diz que consegue executá-las ao mesmo tempo. Quando nos dedicamos a essas tarefas, estamos normalmente de costas um para o outro.

Pois ontem, depois de conversarmos por telefone, entreguei-me ao computador. A certa altura, instintivamente, virei-me para conversar com a Lu. Tive um choque: o lugar onde faz diuturnamente suas pinturas estava vazio.


Senti uma sensação estranha, mas acabei aceitando aquela ausência. Estava certo que o pecado precisava ser pago.



Comentários

Anônimo disse…
saudade dói...
Anônimo disse…
são mais escolhas, menos pecados; ou será a vida tão punitiva?
fausto

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