O JARDIM DA FRENTE


- Ta ficando bonito...!
        São pessoas da vizinhança que passam pela rua e mesmo sem qualquer intimidade comentam o trabalho que faço. Quinzenalmente, nas manhãs de sábados, dedico-me a organizar o jardim que criei em parte da calçada de minha rua.
- Ta ficando bonito! É outra pessoa elogiando meu trabalho. Sou meticuloso. Meço para não ficar torto e a tesoura vai tirando os excessos. Não sei nem o nome desses arbustos, mas eles são usados para formar cercas verdes pelas pessoas que apreciam a natureza.
- O senhor recebe alguma coisa para fazer esse trabalho? Pergunta-me uma mocinha de uns treze, catorze anos, parando ao meu lado.
- Recebo, respondo automaticamente, descansando a tesoura e observando a jovem que parece curiosa.
- Não sabia que a prefeitura paga para fazer os jardins em frente das casas. O senhor mora aí? Aponta minha casa. Os outros parecem que não precisam ganhar dinheiro, indicando o restante da calçada inteiramente sem árvores e descuidada.
- Não é dinheiro que recebo, informo à adolescente cada vez mais curiosa e já familiarizada.
- Não estou entendendo!
- É a satisfação de ver a beleza que fica depois que tudo está arrumado. Veja esta árvore como está verde. Observe estes arbustos. São iguais àqueles outros que estão plantados lá do outro lado da rua. Veja como aqui eles estão verdes e viçosos e lá raquíticos e amarelados.
- E o que o senhor fez para que ficassem assim?
- Cuidados, menina! Quando as plantas eram pequenas, eu remexia a terra, colocava adubo, matava-lhes a sede, chegava a conversar com elas. Acostumaram-se com minha presença e cuidados. Pareciam que esperavam o final da semana chegar. Hoje estão fortes, sadias, vivem quase que sozinhas. Quando o calor exagerado murcha suas folhas dou-lhes água e elas agradecem.
- Credo, o senhor conversa com as árvores!
- Exatamente, existe uma língua universal que pode ser utilizada por todos. É necessário que ela seja estudada e aprendida.
- O senhor é uma pessoa diferente!
- Não, igual a todos, talvez dotado de uma sensibilidade mais ampla, que se dedica não apenas a conversar com as pessoas. Veja só, posso contar-te uma história? Tem tempo para ouvi-la?
- Sim, estou curiosa!
- Pois bem, veja que moro num condomínio. Deve ter mais de vinte casas. Tive o privilégio de morar na que está na parte da frente, uma das que faz divisa com a rua. Quando aqui cheguei a coisa era feia! Ninguém respeitava ninguém. Crianças gritavam de dia e de noite.  Casais brigavam.  Jogavam bola batendo-a na parede da minha casa. Estava desistindo, pronto para mudar. Indispus-me com quase todos os meus vizinhos que achavam aquela desordem uma coisa normal. Passei um tempo isolado. 
Foi quando me dediquei a este jardim. No preparo do terreno e plantio das plantas, passavam por mim desconfiados, sem nem cumprimentar.
- O senhor então foi quem comprou todas essas mudas e as árvores também? Não foi a prefeitura?
- Não, aqui não tem nada da prefeitura. Ela nem limpa as sarjetas e bueiros que estariam todos entupidos e sujos não fosse o trabalho que faço.
- O senhor está sentindo cheiro de urina e fezes?
- Claro que sinto! Mas tem diminuído. Antes não dava para ficar aqui de tanto fedor. Alguns donos de cachorros do condomínio saiam pelas manhãs e tardes  com os cãezinhos para fazerem seus serviços neste jardim. Tem diminuído, mas alguns ainda usam o local. 
Olha aquelas plantas que foram plantadas e produzem suas flores por entre as grades que divisa minha casa com o condomínio. Veja como estão bonitas! Grande parte dessas flores cai enfeitando a calçada deles. Mas eles não gostavam. Quebravam os galhos, arrancavam os brotos, não deixavam elas produzirem.
- Ta ficando bonito!
- Nossa rua está diferente!
- Esta árvore está maravilhosa!
        São moradores do condomínio que passam e observam.

      Estou pensando de mudar. Vou para outra cidade cujo local não tem nenhum jardim, e tudo está para ser feito. Observo que aqui as plantas já adquiriram suas independências e o jardim somente vai requer cuidados mensais para continuar bonito.

        Pensei e cheguei a uma conclusão, não sei se o novo morador vai saber conversar e tratar das plantas: vou deixar essa atribuição à minha vizinha que mora bem ao lado. Ela já plantou os seus arbustos e flores.
  

Comentários

alceugfranca@hotmail.com disse…
Boa tarde Mário,
Não é fácil ensinar a preservar a natureza. Lutei muito até ver na praça onde moro em frente ter: cerejeiras, pitangueiras, araça, ovaia, guabiju, sei que ainda faltam muitas outras árvores frutíferas nativas, mas vamos chegar lá. Até o novo Prefeito Municipal gostou da minha idéia: árvores frutíferas nativas em todos os locais públicos, isto é um sonho.
Abraços.
Alceu

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