DIA DE RESCALDO
O desespero e a aflição já começam no
domingo à tarde. Não existe coisa melhor que a sexta-feira - num final de
expediente! Ela sempre nos permite a renovação de projetos, idéias e sonhos
que, normalmente, morrem na fatídica tarde de domingo. Quer dia pior que este
depois do churrasco, aperitivos e cervejas, de estômago cheio, cabeça rodando
seguidos do sono que sempre acontece?
Tenho acompanhado a reação do
funcionário público e do empregado de empresas particulares. Constatei que não
há uma diferença marcante entre um e outro. Todos esconjuram a segunda-feira.
Porque
a vigilância é maior nas empresas particulares, o empregado chega mais aceso,
porém cheio de problemas reunidos durante os dias de folga. Quer ver as
dificuldades tornarem-se mais evidentes se o time do coração levar uma esfrega!
Dizem que a cidade de São Paulo sofre na segunda-feira, quando o Corinthians
perde no domingo.
Mas com o funcionário público a situação
parece ser um pouco diferente. Os sintomas são mais complexos e a população –
que tanto precisa dele - sofre quando busca atendimento. Não adianta ligar lá
pelas oito. Ele dificilmente chega nesse horário e os aparelhos telefônicos só
irão esquentar já no final da tarde. Gastam a manhã contando as façanhas da
noite de sexta-feira, sábado e domingo. Queixam-se de ressacas. Correm aos
bancos cobrir contas. Chegam a cochilar nas mesas. Trazem a boca amarga.
Amaldiçoam as dores de cabeça. Predomina o espírito antissocial, o desejo da
não comunicação e as consequências da falta de sono. Isso sem falar que muitos
nem vieram. Estão amparados pelos atestados médicos; foram viajar e o carro
teve problemas no caminho; havia muito trânsito nas estradas; os parentes
pediram para que prolongassem os passeios e eles aceitaram o convite.
Nesse festival de anomalias, fazer o
quê? Arrebentar a boca do balão? Falar mal, xingar e deixar tudo por isso
mesmo?
O
sistema público está tão desacreditado que nos espantamos quando – ao fazermos
uma ligação – do outro lado nos atende uma pessoa atenciosa que presta informações
e nos orienta; ou quando, ao procurarmos um órgão público, somos bem recebidos.
E - graças a Deus - existem ainda essas pessoas, mas precisamos ter sorte!
Mas voltando aos sintomas e às conseqüências
de uma segunda-feira, decidi fazer um teste e procurei – durante quatro semanas
seguidas – o mesmo funcionário. Na primeira, disseram-me que fora fazer um
serviço externo; na segunda, informaram-me que estava em licença médica; já na
terceira, encontrava-se em reunião e não poderia atender ninguém antes das doze
horas. Na quarta a desculpa foi mais paternal: fora socorrer o filho no colégio
particular onde estuda, porque havia apanhado de uns colegas.
Foi
um mês sem conseguir falar com o dito cujo na segunda-feira cedo. Por isso, fui
tomado de uma dúvida incrível: será que realmente ele se fazia presente ao
trabalho naquele dia da semana? Um inquestionável sentimento de desconfiança
leva-me a duvidar das informações daquela telefonista que gaguejava ao
apresentar-me suas justificativas.
Todos vocês conhecem a última etapa do
trabalho dos bombeiros quando dão atendimento a um incêndio. Eles adotaram um
termo específico, mas muito significativo para concluir o seu serviço.
Chamam-no de “rescaldo”. Consiste na eliminação dos últimos focos de fogo, na
derrubada dos possíveis locais de desmoronamentos; enfim, o preparo do local
para que as coisas possam ser recomeçadas em total segurança. Agora pergunto:
você que está lendo esta crônica, quer um termo mais adequado para a
segunda-feira na esfera pública? O incêndio ocorreu longe dos locais de
trabalho; porém, as consequências foram transportadas para os seus respectivos
campos de atuações.
O local ficará definitivamente aplainado
e em condições de uso, lá no final da terça ou começo da quarta, mas para se
chegar à sexta-feira não está mais muito longe. Os dias que faltam são
utilizados para se preparar um novo final de semana que, por certo, provocará
os costumeiros estragos.
Diriam
os acomodados e os sem assuntos: “assim caminha a humanidade”; direi consciente
da necessidade de se fazer uma mudança: é preciso que se abula o rescaldo e as
coisas sejam conduzidas dentro de uma normalidade.
Seria maravilhoso se a telefonista não
recebesse orientações para justificar tantas faltas; e, compensador, o
restabelecimento da confiança!
Que
os incêndios acontecidos lá fora não influenciassem a tal ponto de ser
necessário a aplicabilidade semanal da tática dos nossos amigos bombeiros!
(DO LIVRO HISTÓRIAS SOLTAS - páginas 93 a 95)
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