TUDO PELO AMOR
O rapaz não tinha mais que uma gaita oito baixos, uma
bombacha, uma camisa riscada, um lenço vermelho a lhe ocultar o pescoço, um
chapéu e uma alpargata surrada.
Fazia o instrumento chorar quando reunia o
pessoal dos vilarejos que sempre aguardavam e sabiam da sua chegada. Um andarilho
de vila em vila, comia e bebia do que lhe davam. Cama tinha sempre garantida,
pois era uma honra, entre aqueles colonos, hospedar uma pessoa daquelas: tão
cheia de dotes, um grande artista.
Disputavam
o prazer de tê-lo em casa e oferecer-lhe comida, banho e leito. Não havia outros entretenimentos que não a
música daquele jovem ou os encontros na capela nos finais de semana.
Passava a noite puxando a oito baixos enquanto o
pessoal ouvia ou dançava no terreiro de chão batido. Tinha um sotaque que o
tornava conhecido. Filho de imigrantes italianos que não querendo saber do
trabalho da roça, aprendeu as notas musicais, arranjou um instrumento e começou
sua caminhada de colônia em colônia, oferecendo aquilo que havia rapidamente
aprendido. Voz tinha de sobra e muito afinada que entusiasmava e cativava seus
ouvintes.
Pois uma mocinha -, não mais de quinze anos -, de
família tradicional, frequentadora da capela da vila onde fora batizada,
crismada e recebera a primeira comunhão, apaixonou-se pelo rapaz cantor. Passava
noites sem dormir e ficava esperando a chegada do moço ao ponto de não
conseguir viver mais sem sua presença.
Confessou seus sentimentos à mãe que
escandalizada contou tudo ao marido. A moça recebeu severas punições: privaram-na
dos terços noturnos nas casas dos vizinhos; sair de casa só acompanhada pelo
irmão mais velho; a mãe passou a entregá-la à diretora da escola na porta do
estabelecimento e somente de lá saía quando tivesse ordens escritas.
Os
genitores decidiram exercer uma vigilância sobre todos os seus atos e o rapaz
nunca mais cantou nem se hospedou na casa deles. A filha parecia ter perdido o
juízo com um amor daqueles!
Certo dia perceberam que a mocinha havia sumido. O
desespero tomou conta da família, mas as buscas pela redondeza foram inúteis.
Ela havia partido com o andarilho cantante, hospedando-se onde lhe ofereciam
cama e se alimentando das mesas benevolentes de admiradores. Nas longas
caminhadas revezava-se no transporte da acordeona, tornando-a exausta nos
finais das tardes.
Com o passar do tempo acumularam-se o cansaço e a fome.
A moça havia emagrecido e já se mostrava arrependida do que havia feito.
Abandonara o paraíso para viver no inferno, fruto de uma paixão incontida. Sentia saudade dos rigores impostos pelos
pais. Desejava a companhia dos irmãos.
Foi quando lhe bateu a fome. Estava
exausta e não suportava mais as longas caminhadas, as privações do sono e os amores desregrados.
- Querido, estou com fome!
O rapaz, numa atitude fria e descompromissada, ajeitou
sua acordeona para tocá-la e se colocando bem a frente da moça, dedilhou o
teclado e puxando o fole soltou um verso num sofrido dialeto italiano: “se le
volesto magna de questo.”
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