ORDEM DE MORTO

Em visita a um dos cemitérios da cidade, encontrei uma frase que me chamou atenção: "Aqui jaz um homem muito a contragosto."
Confesso ter gostado dela. Me levou a pensar. À primeira vista, serviu para concluir que lutar contra a morte é quase sempre uma batalha inútil. Podemos espernear da forma como quisermos, mas ela, mais cedo ou mais tarde, virá. Lutamos para adiar o seu trabalho, porém ela se instala em nós logo no segundo do nascimento, começando a sua tarefa silenciosa e destrutiva.
Mas aquele indivíduo que estava ali, fora mesmo atrevido! Só o levaram para aquele lugar porque lhe faltou a vida. E foi quando a tinha, que determinou fosse registrado a sua insatisfação.
Depois desse achado, ando a me perguntar: há os que desejam morrer porque cansaram; há os que morrem porque querem; há os que lutam até as últimas forças para que isso não aconteça.
Os que não falam nada, jazem ali sem nenhuma manifestação, apenas as duas datas: a do nascimento e a da morte.
O da frase fez questão que todos soubessem que não estava gostando. Parecendo um preso que gasta o tempo a pensar na maneira de fugir.
Naquela situação teria ele condições de manifestar sua opinião? Creio que não. Fez quando vivo. Os mortos não falam, não pensam, não escrevem placas, não caminham, não determinam.
Foi um vivo que colocou aquela frase ali. O defunto jamais seria capaz de fazer e quem o fez foi para atender um pedido. Poderia não ter atendido e o morto jamais reclamaria.
Isso me levou a concluir que o mundo continua sendo dos vivos. Principalmente dos vivos espertos. Os mortos podem se comunicar através deles, que receberam as mensagens quando eram vivos.
Geralmente é um filho, um ente querido qualquer que executa o desejo para agradar, sem pensar que nunca poderá ser agradecido pelo seu gesto.
Por outro lado, tem outra coisa a ser analisada: o morto queria ser lembrado e comentado, chamar a atenção dos vivos, levá-los a pensar. Achou melhor assim a se contentar com apoderecer, desaparecer, virar pó.
A cada comentário não estaria ele a se mexer na tumba? A contorcer-se arrependido, sabendo que não teria mais como consertar o que havia feito? Será que morto reage? Vibra? Satisfaz-se?
Dizem que dá gargqalhadas e se isso for verdade, estará ele rindo dos vivos, principalmente de mim!
(extraído do livro Coisas Soltas - Mario José Amadigi)

Comentários

VilmaSouza disse…
Olá, estou a rir de algumas partes deste conto, mas me intriga esta sua mania de ir passear no cemitério e se sentir bem neste lugar. Taí um lugar que não consigo passear, nem me sentir bem, não é trizteza que me abate nete lugar porque se sou obrigada a ir ao cemitério o que me acontece por consequência são muitas noites sem dormir, se leio nome e datas fico com elas gravada na mente e aí passo horas a rezar por estas pessoas, elas não saem da visão, se tem fotos então é um tal de passar como um filme numa retrospectiva noite a fora e mais várias noites e não me deixa dormir. Aí rezo pra eles até conseguir que o filme desapareça da mente. durante os dias esqueço os nomes as datas as fotos, mas quando cai a noite e deito pra dormir, qual nada de chegar o sono, parece um filme rebobinado, rentro pelos corredores do cemitério e vou relendo tudo e revendo tudo e quase que automaticamente rezo pelos nomes até conseguir dormir novamente. Tirando este meu pesadelo acordada. É bem engraçado este contexto exposto aqui.

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