PESCA NA LAGOA


Depois que o Paranazão baixava suas águas, ficavam as lagoas nas partes baixas das ilhas e em muitos lugares das margens. Iam secando e desaparecendo aos poucos.
Essa situação criava um espetáculo magnífico e tétrico. Nelas se acumulavam milhares e milhares de peixes que não tinham conseguido retornar ao rio. Eram de todas as espécies e se tornavam  presas fáceis de pescadores, jacarés, capivaras, sucuris e das aves aquáticas, que em vôos rasantes, apanhavam e subiam levando seus trunfos.

Os que não eram aprisionados ali, morriam lentamente com a diminuição das águas, alimento e oxigênio. Nenhum órgão de proteção fazia o resgate daqueles peixes para devolvê-los ao rio. Os que morriam produziam um insuportável cheiro de coisa que se deteriorava.

Nessa situação de prisioneiros das lagoas, fadados a uma pena de morte diversificada, um dia Fermino mandou-me um recado para que fôssemos fazer uma pescaria. Seria com rede. Os peixes estavam à disposição, era só pegá-los.

Fomos meu sogro, o Urtigão, o Lio, o Valdeir, o Joacir e eu. A lagoa não era muito grande, talvez uns cento e cinquenta metros. A profundidade não passava de um, mas tinha mais cinquenta centímetros de barro mole no fundo. Nele nos atolávamos até os joelhos.

Enfrentar uma situação daquelas, com água barrenta que começava a cheirar, não se tornava possível ao natural. Os peixes eram tantos que borbulhavam milhares de pontos naquela água suja, mostrando seus dorsos. Quando esticávamos a rede, que conseguia abraçar a lagoa toda, sabíamos que na outra margem estaríamos com centenas de peixes aprisionados.
Mas era preciso ter coragem e ela nós arrumávamos com largas doses de cachaça. O litro passava de mão em mão, antes do início dos trabalhos. Ele secava assim que os peixes eram recolhidos.

Não se podia passar mais que duas vezes aquela rede, porque pegava tanto, que não era possível transportá-los. Eram colocados em sacos amarrados pelas bocas e suspensos num varão amparado sobre os nossos ombros.  O peso era tanto que exigia revesamento.

Pois para esta pescaria que o Fermino me convidou, a fartura não foi diferente, porém um episódio tornou-se motivo de muito riso. Estávamos arrastando a rede pela lagoa, a uns dez metros distantes um do outro. Já fechando o cerco, eis que um dourado de uns cinco quilos, sentindo-se preso naquele espaço diminuto, deu um salto acrobático indo chocar-se no peito do Valdeir. Surpreendido com o impacto, soltou um grito e ficou meio aturdido. Largou da rede e na margem da lagoa foi procurar o litro de cachaça, para, segundo disse, desinfetar o corte que o dourado lhe proporcionou.

O Urtigão, quando se discutia como os peixes seriam levados para a cidade, sempre mais simplório e desapegado dos bens materiais, concordou que os quatro sacos cheios de peixes fossem colocados nos seu carro. Disse que na chegada faríamos a divisão. E partiu ele e o Valdeir. O Lio, que tinha vindo com ele, cedeu lugar aos sacos e acomodou-se no meu fuscão velho, que nem reclamou do excesso de peso.

Ao chegarmos constatamos que os sacos haviam se rompido. Os peixes estavam esparramados pelo carro do Urtigão. Tinha no bagageiro, nos acentos traseiros, no soalho e muitos até haviam perdido as escamas de tanto relar durante a viagem.

A divisão não foi difícil. Com meu sogro ficaram os lobôs. Era seu peixe predileto. O Valdeir fez questão das corimbas. Iria salgá-las e secá-las ao sol. Disse que depois de preparadas ficariam como se fossem bacalhau. Os dois pintados reservei para satisfazer o gosto da minha esposa. O Joacir e o Lio ficaram com os pacus. Ao Urtigão coube o resto da peixarada, que ainda cobria a parte traseira do seu carro. Chamou alguns vizinhos e os distribuiu, depois que se deu por satisfeito com os que amontoara numa bacia.

- O maldito dourado não veio – falou o Valdeir – observando o corte ensangüentado no peito que começava a arder.

- No momento que estiver saboreando as tuas corimbas-bacalhaus, lembra dele - comentou o Urtigão, enquanto guardava o carro já livre de todos os peixes.

- Ao prepará-los, aproveite o sal para uma salmoura, ela limpa os ferimentos – comentou o Lio, dando à voz uma tonalidade jocosa.

Dias depois apareceu o Urtigão dizendo que estava negociando o carro. Precisava vender, disse, pois as contas estavam a lhe tirar o sono. Vendia barato para se ver livre dos incômodos. E muitos foram ver o carro para comprar. Ninguém quis negócio. Pois acredite, o fedor dos peixes tomara conta de tudo. Não adiantaram as lavagens que mandou fazer. Os perfumes que colocou serviram para piorar a situação. Era só entrar e sentir o cheiro insuportável que impregnara o interior do veículo todo.

Após muitas recusas, acabou vendendo, em suaves prestações, a um pirangueiro do rio Paraná. Ao testar o carro nem sentiu os odores, tão normais ao olfato naqueles lugares ribeirinhos. Fez o cheque da entrada e saiu patinando os pneus, feliz da vida.

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