ARTIMANHAS
Senta-se no canto
daquela sala e curvando-se esconde a face entre as duas mãos feito conchas.
Contorce-se formando rugas pelo rosto. Deixa evidente pelos lábios, os sinais da dor.
- Não está bem? –
pergunta sua companheira de trabalho.
- Voltou a enxaqueca –
responde suplicando compaixão. Droga... quando ela chega logo cedo, o dia será
longo!
A outra não responde.
Pega o balde, sabão, um pano úmido e parte para realizar suas tarefas. Seria
bom que os chefes a vissem ali naquele fingimento – pensa consigo. A gente a
fazer tudo direito, não faltar ao serviço, nunca ficar doente e cadê a
valorização? Ninguém vê nem observa o trabalho feito todos os dias, enquanto
ela passa o tempo daquele jeito, implorando compaixão! Bem que podia chamar a
fiscal para que visse aquela cena, mas tem medo que fazendo isso a chefe possa
se compadecer e mandá-la embora. Restaria uma tarefa dobrada.
Por causa dessas
atitudes, suas companheiras de trabalho não acreditavam mais nas palavras de
Ester. Havia se especializado na criação de histórias quando programava
coisas diferentes e agradáveis para passar o dia. Criava situações, encenava de
uma forma tão natural que mexia com os corações dos superiores. Normalmente
acabavam com dispensas, e Ester sempre partia encenando dores, provocando
lágrimas e compaixão entre as que ficavam, embora reinasse um convicto
sentimento de desconfiança.
Depois que esses
procedimentos se tornaram rotina e porque o trabalho começou a se amontoar -, pois
as que ficavam não venciam as tarefas que se acumulavam -, uma delas pensou em
tirar suas dúvidas. Sempre achou que a companheira encenava dores para se
beneficiar. Foi quando, numa das enxaquecas e consequente liberação do
trabalho, decidiu seguir Ester.
Em meio ao povo que
andava nas calçadas daquela cidade, viu quando a companheira encontrou-se com um
rapaz com quem se abraçou e deu um demorado beijo. Rindo parecia completamente
recuperada das dores que até bem pouco a afligiam. As desconfianças estavam
evidenciadas: Ester simulava problemas de saúde para encontrar-se com um homem.
Repetiu aquela sua
investigação e na quinta vez não teve mais nenhuma dúvida: ela estava sendo
desonesta com as colegas de trabalho e enganando os chefes. Na sexta vez estavam convencidas das malandragens.
Surpreenderam Ester na esquina costumeira do encontro, quando o beijo terminava.
- Enxaqueca, Ester?!
Ester não disse nada,
abraçada ao rapaz saiu caminhando na direção contrária, simulando vergonha, mas
parecendo estar feliz. Não retornou mais ao trabalho e a chefe teve detalhado
as artimanhas utilizadas pela sua colaboradora.
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