EFEITOS MOMENTÂNEOS

À contra gosto, mas atendendo aos pedidos que a esposa sempre fazia para que cuidasse com mais esmero daquele jardim, comprei uma cortadeira de grama moderna. Dessas que já traz consigo um saco que recolhe a grama no mesmo momento que é cortada. Uma espécie de sugador.

Depois do primeiro corte:
- Parabéns, trabalho exemplar, disse ela achegando-se e oferecendo-me um copo de cerveja gelado. Naquele calor e sol que rachava, uma bebida naquele estado era como o néctar dos deuses! Sentei-me sobre a grama ao seu lado e bebericando ali fiquei observando e me atribuindo elogios mentais. Que aparelho fantástico inventaram!

Ela então me olhava e também querendo tecer seus elogios, indagava de mim se não estava com a razão quando insistira naquela compra.  imediatamente concordei dando-lhe os parabéns pela brilhante ideia e constante insistência.
Passei longos dias e mesmo à noite acendia a luz para observar a maravilha que havia ficado o jardim da nossa casa. Que aparelho fantástico inventaram!

Os cuidados foram sendo repetidos quinzenalmente, mas já sem os elogios e as cervejas da primeira vez. O tapete verde parecia dar sinais de definhamento. Amarelavam-lhe as folhas parecendo sugadas por uma força invisível.

- O jardim está precisando de adubo - falou-me ela, naquele sábado de manhã, quando iniciava mais uma tarefa. Eu já havia notado a mudança, mas ruminava minhas dúvidas, criando suposições e procurando causas.

Elas se confirmaram quando um velho amigo que passava pela rua, deteve-se para conversar e após algum tempo explicou-me que aquela cortadeira de grama não era um instrumento bom para a natureza. Disse-me que aquilo não passava de um aparelho que danificava o meio ambiente. Deixava o serviço um primor e dispensava o trabalho posterior de recolhimento dos restolhos, mas empobreceria o solo conforme as podas fossem sendo realizadas. Ia sugando lentamente e sem piedade todos os nutrientes que, numa poda convencional, permaneciam apodrecendo, enriquecendo, servindo de alimento ao solo. Acabei por lhe dar razão após tanta evidência.

Ao criarem aquela máquina tinham optado pela beleza visual momentânea, sempre tão agradável aos nossos olhos presentes. Não lhes interessavam os resultados futuros. Preocupados com os efeitos rápidos, nos deixamos levar. Teríamos um recomeço a fazer, talvez o jardim pudesse voltar a ser admirado novamente.

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