RELATÓRIO DE UMA PUTA

 Ela envelheceu. Ficaram para trás todos aqueles arroubos da juventude. Teria evoluído ou regredido? Quem a conheceu jovem e a vê agora, espanta-se com a transformação! Ela queria baile. Queria a noite. Amava o cigarro e a bebida. Nunca dispensou drogas.  Ignorava o perigo. Entregava-se aos prazeres do corpo sem escrúpulos. Amava a Saldanha Marinho, a Cruz Machado e a Tiradentes. Mulher bonita, que te fez o tempo!
        
Cinquenta anos pesam, moça! O tempo cobra! Impõe marcas acentuadas aos que o menosprezam! Ele não fala nada, observa-te, moça, com piedade como a dizer: você quis, você decidiu! É a vingança silenciosa, indiferente, sem volta!
      
As Saldanhas Marinhos, as Cruzes Machados e as Tiradentes da vida estão ocupadas por outras que fazem tudo o que você já fez. Que não sabem nada - como você não sabia - da impossibilidade de se corrigir ou de se voltar atrás. 
        
Que conseqüências, moça: artrose, artrite, rugas antecipadas, flacidez, desânimo, cicatrizes, tosse seca, resquícios de sífilis e gonorréia, suspeita de AIDS, olhar retraído e profundo; arrependimento de quem pensou ter tudo e não carregou nada!
        
Moça, minha cara moça, andas a pensar colher flores em pleno inverno! Nem sabes onde estão os teus! Ouviu falar que alguns morreram. Outros mudaram para lugares distantes. Mesmo os daqui querem-te longe!
        
E agora chove no barraco.  Falta coberta. Não tens nem cama. Inexiste o dinheiro. Escasseia o prato. É grande o frio. Estás sozinha! Rarearam os perfumes. Acabaram os telefonemas. Findam-se as roupas. Onde estarão as jóias? Tantos brincos raros, belas pulseiras, corrente cara ostentando aquele Cristo crucificado que também não cuidou de ti! O abandono e a indiferença que impôs na juventude, moça, voltam-se contra ti agora!
        
Andas com saudade daquelas ruas, daquela praça, dos bares que ali ferviam? Também elas estão diferentes como tu e nem mais se lembram de tuas pisadas. Elas também mudaram. Agora têm novos prazeres: mais sofisticados, mais modernos que nem dinheiro tem para adquiri-los. E não há ninguém para presenteá-la. As luzes estão mais fortes e iluminarão o teu semblante envelhecido, expondo-te ao riso dos novos frequentadores. Tem mais polícia que antigamente. Tem mais rádios-patrulhas, mas que se engajaram ao sistema e são muito mais complacentes do que as do teu tempo. Não fuja deles!
        
É, moça, só você parou no tempo! Envelhecimento sem progresso que lhe traz arrependimento, desânimo, tristeza e choro. Impossibilitando-a de qualquer retorno!

 - Deixe que se deslumbre com as luzes! Que recorde das velhas ruas. Que admire a nova praça – orientou o guardião da entrada. Talvez aquele velho garçom a reconheça. Entenda sua situação. Conduza-a para um canto daquele antigo bar. Ali poderão sentar-se sozinhos e constatarem que os desejos do amor e os prazeres da vida continuam inatos nos seres humanos, mas sofreram muitas evoluções.

A moça embriagou-se. A moça chorou. A moça quis escandalizar, mas nem foi notada.  Seu velho conhecido pagou-lhe o táxi. Dinheiro que lhe diminuiu a renda da noitada. Sentiu-se gratificado pelo benefício.Três dias ela não acordava. O barraco já cheirava. Os vizinhos anunciaram o “réquiem”. A Tribuna noticiou o passamento. Prendera-se no passado. Não criara alternativas. Sua “causa mortis”! 

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