DÚVIDA
Nos fundos da minha casa há um espaço onde fiz um
aterro e plantei grama. Ficou um lugar de sete por treze, de puro verde onde há
um pé de ipê e uma pequena horta, beirando o muro. Ali a Lu cultiva temperos,
rúcula, almeirão, alface e outras variedades que saem viçosas pela quantidade
de adubo orgânico que coloca e também pelo cuidado que tem.
Nesse calor úmido de Florianópolis não tem nada que não
sai bem e quando a isso tudo se acrescenta o zelo, a coisa explode. Deixamos de
comprar temperos e saladas também. Tudo sem veneno, tudo produto natural.
Mas o que também me chama atenção é o gramado verde.
Está lindo e bem cuidado. O ipê, agora no início da primavera, apresenta-se
ainda quase sem folhas. Por entre seus galhos coloquei uma casinha de madeira
que comprei numa floricultura aqui do Campeche, apropriada para por comida e
alimentar passarinhos. Depositei uma quantidade de quirera e não levou muito
eles começaram a chegar.
Inicialmente vinham ariscos e voavam assim que nos
viam. Com o tempo - e não demorou muito - a nossa presença tornou-se familiar
àqueles bichinhos que passaram a comer indiferentes.
Os primeiros a chegar
foram os canários terra, seguiram as pombas rolas, os sanhaços, os tico-ticos,
joãos-de-barro e bem-te-vis. Muito raramente, tenho também visto um passarinho
preto, esbelto e arisco, que ainda não consegui saber o nome.
Mas o que tem me impressionado é o aumento gradativo do
número de visitantes. O consumo de comida vem aumentando e o local está sempre
ocupado por aves famintas. Os canários são os mais animados. Cantam parecendo felizes
e já aceitam nossa presença com certa naturalidade.
Estou aqui na área dos fundos. Deitado numa rede observo
o ipê com os pássaros saltando entre os galhos. Muitos estão na casinha comendo
gulosos. Outros na grama, logo abaixo, catando os restos. As rolinhas bicam-se, arrulham e batem asas.
São mais ariscas e sempre silenciosas. O bem-te-vi, diariamente solitário,
ocupa os galhos mais altos e foge quando nos vê. Não o vi comendo ainda. Preciso
conquistá-lo. Já o João-de-barro parece que não gosta de quirera. Passeia pela
grama atrás de insetos e raras minhocas que estão aparecendo. Entra pela área adentro
e fez dela o local para depositar suas fezes. Deve estar construindo seu ninho,
pois apanha barro enchendo o bico num local úmido rente à casa. Chega a passar de baixo de minha rede. É o
mais acostumado e manso.
Depois de certo tempo percebi que as nossas presenças
já estavam familiarizadas e quase todos continuavam comendo indiferentes sempre
que aparecíamos por perto.
Diante desse fato fui tomado de um sentimento de
preocupação. Não demoraria muito e eles poderiam estar comendo na nossa mão.
Indaguei da Lu se estávamos agindo de forma correta alimentando aquelas aves. Tornando-as
preguiçosas, acostumando-as a uma vida fácil, até estimulando a paz e o
sossego, sentimentos tão estranhos aos passarinhos. Estavam a um passo de se
tornarem prisioneiros sem grades nem gaiolas. Desvirtuando suas características.
Não sei. Vou continuar. Preciso observar o
comportamento deles. Não quero passarinho gordo nem preguiçoso.
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