O QUADRO
O mineirinho acabara de chegar ao Rio de Janeiro, vindo
da sua cidade natal. Jeitoso ele, macio no falar, um verdadeiro mineiro do
interior. Não conhecia a Cidade Maravilhosa, mas ouvira dela muitos comentários.
Vinha atrás de serviço. Era pedreiro e essa profissão estava sendo muito disputada.
Cansara de fazer bicos na sua cidadezinha sempre mendigando favores e a
promessa ali era de bom dinheiro.
Fixou morada num dos quartos de um apartamento que seria reformado e que acertou para fazer o serviço. Não gastaria com
aluguel e estava na boca da obra. O contratante havia concordado em troca de preço
mais baixo na empreitada.
Era um apartamento antigo. Paredes grossas e
resistentes, mas a exigirem muitos reparos. Teria que mudar os encanamentos de
água, a instalação elétrica, refazer os banheiros, a cozinha e uma série de
outras coisas pequenas. Era muito trabalho.
O antigo proprietário havia deixado todos os móveis dos
quartos e o novo dono decidiu que era só um trato nas madeiras e ficariam
novos. O mineirinho utilizou um daqueles cômodos para guardar suas coisas.
Ao abrir a porta do guarda-roupa, deparou-se com o retrato
de uma pessoa pintado a óleo. Olhou para aquela figura de homem numa fisionomia
séria, longos bigodes e sobrancelhas grossas, costeletas que lhe desciam pelos
lados do rosto. Achou simpática a obra, mas o olhar penetrante parecia dizer-lhe
alguma coisa.
Dias depois, numa manhã bem cedo, o novo proprietário do
imóvel passou para verificar o andamento dos trabalhos. Introduziu a chave na
fechadura e tentou inutilmente abrir a porta. Bateu, apertou a campainha e
somente depois de certo tempo apareceu o mineirinho meio espantado, destravando
os ferrolhos e abrindo a porta.
- Tudo isso é medo, rapaz – indagou o dono.
- Não senhor, é só uma precaução. Na noite passada
fechei a porta somente à chave e ela amanheceu aberta.
- Mas como, tem certeza?
- Certeza, certeza, meu senhor! Acho que tem alguma
coisa a ver com aquele quadro. Ainda ontem à noite, quando abri o cômodo para
pegar uma camisa, o homem pareceu que deu uma piscada. Ando meio cabrero! Eu
heim...
Naquele mesmo dia as coisas ficaram explicadas. Os
antigos proprietários chegaram para recolher os últimos pertences e uma senhora,
já de meia idade, saiu conduzindo o quadro em baixo do braço.
- É seu o quadro? - indagou o mineirinho.
- Sim, retrato de meu pai, o antigo proprietário deste
apartamento. Morreu faz muitos anos. Obra minha, pintei-a quando fazia a
Faculdade de Belas Artes. Guardo como relíquia isto!
O mineirinho ficou petrificado. Observou o quadro
quando a senhora saía pela porta de entrada e assegura até hoje que ele lhe deu
uma última piscada.
No mesmo dia decidiu abandonar o local. Pediu dinheiro a fim de comprar uma passagem e retornou para Minas.
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