JÉRÔME VALCKE ESTAVA CERTO
Quando
 Jérôme Valcke - homem forte da FIFA - disse que o Brasil merecia
“um chute no traseiro” para acelerar as obras da Copa/2014,
ocorreu uma revolta nacional de patriotismo e verborragia. Chegaram a
proibir sua entrada no País. Exigiram uma retratação que pudesse
abrandar ou explicar tais declarações. 
Todos
sabem que - no desenrolar dos acontecimentos e para não complicar o
relacionamento -  o homem abrandou suas palavras e as pazes foram
refeitas. Jérôme continuou vindo ao Brasil para sua tarefa de
inspeção dos estádios. Teve reatada as ligações com as
autoridades brasileiras e chegou a elogiar o tratamento hospitalar
que recebeu,  quando,  acometido de uma crise renal, permaneceu
internado num hospital do Rio de Janeiro. 
Mas
- queira ou não -  o episódio e as declarações do Secretário
Geral da FIFA refletem uma realidade brasileira: somos obrigados a
admitir que as coisas  só andam, na maioria das vezes,  quando
aparecem os escândalos. 
Posterior às palavras de Jérôme,  vieram
à a tona os problemas do Ministro dos Esportes,  que acabou
demitido-se e  substituido por um mais “sério e eficiente”. Não
tivesse ele se manifestado dessa forma, certamente as obras estariam
muito mais atrasadas que estão hoje. O brasileiro precisa desses
choques para acordar e por as coisas nos trilhos. 
Dias
passados (26/11), o Jornal da Globo apresentou um amplo documentário
sobre as obras de transposição do rio São Francisco. Mostrou que
as coisas por lá estão paradas,  enquanto o nordestino enfrenta a
pior seca dos últimos 30 anos. As obras dos canais responsáveis
pela condução das águas encontram-se totalmente paralisadas e já 
pequenas árvores nascem ao longo da escavação que seria o leito
condutor das águas. As empresas abandonaram os trabalhos alegando
falta de recursos e, aparentemente, estão impunes ou discutem
reajustes com os Ministérios envolvidos. 
A
impressão que se tem é de que não utilizam calculadoras, muito
menos  fazem contas, na hora de participar das licitações. No
fundo, no fundo, a explicação não é esta. Ela é muito mais
profunda  e está  arraigada no pensamento dos empreiteiros: “vamos
jogar o preço lá em baixo para conseguir a obra,  depois discutimos
 os reajustes”. 
No
Brasil - na maioria das situações -  a execução das obras
funciona por etapas muito bem planejadas:  começa com o edital de
licitação mal feito, segue pela licitação tendenciosa, prossegue
com a solenidade do início das obras nacionalmente divulgadas com
prazo de entrega marcado antecipadamente, vem a paralização quando
a empreiteira normalmente informa que os recursos não são
suficientes para a continuidade, segue a paralização total,
procede-se às demissões dos  funcionários e o abandono dos
canteiros de obras. Depois de longo tempo, aparece a imprensa fazendo
aquele “ôba ôba” que já é conhecido: entrevistas com os
responsáveis pelas empresas, depoimentos com os trabalhadores que
estão na pior e, finalmente, a notícia de que o ministério
responsável não retornou a ligação para que explicasse as razões
do acontecido. 
Ainda
sobre o assunto, dia desses a ministra do Planejamento,
Míriam Belchior, indagada para que se manifestasse sobre os retardos
das obras do PAC, disse que atraso é normal, que está dentro da
previsibilidade. 
Confesso
que ao ouvir as declarações do Jérôme Valcke, naquela ocasião
fui tomado de um sentimento de brasilidade e patriotismo. Intrometido
e inconsequente esse estrangeiro!  Precisa receber uma lição para
que não interfira em assuntos que não lhe competem! - , pensei. 
Hoje,
embora continue achando que a intromissão não cabia,  as palavras
por ele proferidas têm muito de verdadeiro; criaram um mal estar,
mas provocaram resultados. É triste saber que o pensamento
brasileiro continua necessitando desse “chute no traseiro” para
andar. 
Mas enquanto ele não é dado, os interessados pelos retardos
nadam de braçadas, arrancam reajustes fabulosos, valorizam seu
trabalho, sacrificam as pessoas indefesas e prejudicam o País. 
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